Chimamanda Adichie: “O perigo de uma única história”.
http://www.ted.com/talks/lang/por_br/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story.html
Translated into Portuguese
(Brazil) by Erika Barbosa
Reviewed
by Belucio Haibara
Eu
sou uma contadora de histórias e gostaria de contar a vocês algumas histórias
pessoais
sobre
o que eu gosto de chamar "o perigo de uma história única".
Eu
cresci num campus universitário no leste da Nigéria. Minha mãe diz que eu
comecei a ler
com
dois anos, mas eu acho que quatro é provavelmente mais próximo da verdade.
Então, eu
fui
uma leitora precoce. E o que eu lia eram livros infantis britânicos e
americanos. Eu fui
também
uma escritora precoce. E quando comecei a escrever, por volta dos sete anos,
histórias
com ilustrações em giz de cera, que minha pobre mãe era obrigada a ler, eu
escrevia
exatamente
os tipos de histórias que eu lia. Todos os meus personagens eram brancos de
olhos
azuis. Eles brincavam na neve. Comiam maçãs. (Risos da plateia) E eles falavam
muito
sobre
o tempo, em como era maravilhoso o sol ter aparecido. (Risos da plateia),
apesar do
fato
que eu morava na Nigéria.
Eu
nunca havia estado fora da Nigéria. Nós não tínhamos neve, nós comíamos mangas.
E nós
nunca
falávamos sobre o tempo porque não era necessário. Meus personagens também
bebiam
muita cerveja de gengibre porque as personagens dos livros britânicos que eu
lia
bebiam
cerveja de gengibre. Não importava que eu não tivesse a mínima ideia do que era
cerveja
de gengibre. (Risos da plateia) E por muitos anos depois, eu desejei
desesperadamente
experimentar
cerveja de gengibre. Mas isso é outra história. A meu ver, o que isso demonstra
é
como nós somos impressionáveis e vulneráveis em face de uma história,
principalmente
quando
somos crianças. Porque tudo que eu havia lido eram livros nos quais as
personagens
eram
estrangeiras, eu convenci-me de que os livros, por sua própria natureza, tinham
que ter
estrangeiros
e tinham que ser sobre coisas com as quais eu não podia me identificar. Bem, as
coisas
mudaram quando eu descobri os livros africanos. Não havia muitos disponíveis e
eles
não
eram tão fáceis de encontrar quanto os livros estrangeiros, mas devido a
escritores como
Chinua
Achebe e Camara Laye eu passei por uma mudança mental em minha percepção da
literatura.
Eu percebi que pessoas como eu, meninas com a pele da cor de chocolate, cujos
cabelos
crespos não poderiam formar rabos-de-cavalo, também podiam existir na
literatura.
Eu
comecei a escrever sobre coisas que eu reconhecia. Bem, eu amava aqueles livros
americanos
e britânicos que eu lia. Eles mexiam com a minha imaginação, me abriam novos
mundos.
Mas a consequência inesperada foi que eu não sabia que pessoas como eu podiam
existir
na literatura. Então o que a descoberta dos escritores africanos fez por mim
foi: salvoume
de
ter uma única história sobre o que os livros são.
Eu
venho de uma família nigeriana convencional, de classe média. Meu pai era
professor.
Minha
mãe, administradora. Então nós tínhamos como era normal, empregada doméstica,
que
frequentemente
vinha das aldeias rurais próximas. Então, quando eu fiz oito anos, arranjamos
um
novo menino para a casa. Seu nome era Fide. A única coisa que minha mãe nos
disse sobre
ele
foi que sua família era muito pobre. Minha mãe enviava inhames, arroz e nossas
roupas
usadas
para sua família. E quando eu não comia tudo no jantar, minha mãe dizia:
"Termine sua
comida!
Você não sabe que pessoas como a família de Fide não tem nada?" Então eu
sentia
uma
enorme pena da família de Fide.
Então,
num sábado, nós fomos visitar a sua aldeia e sua mãe nos mostrou um cesto com
um
padrão
lindo, feito de ráfia seca por seu irmão. Eu fiquei atônita! Nunca havia
pensado que
alguém
em sua família pudesse realmente criar alguma coisa. Tudo que eu tinha ouvido
sobre
eles
era como eram pobres, assim havia se tornado impossível pra mim vê-los como
alguma
coisa
além de pobres. Sua pobreza era minha história única sobre eles.
Anos
mais tarde, pensei nisso quando deixei a Nigéria para cursar universidade nos
Estados
Unidos.
Eu tinha 19 anos. Minha colega de quarto americana ficou chocada comigo. Ela
perguntou
onde eu tinha aprendido a falar inglês tão bem e ficou confusa quando eu disse
que,
por acaso, a Nigéria tinha o inglês como sua língua oficial. Ela perguntou se
podia ouvir o
que
ela chamou de minha "música tribal" e, consequentemente, ficou muito
desapontada
quando
eu toquei minha fita da Mariah Carey. (Risos da plateia) Ela presumiu que eu
não sabia
como
usar um fogão.
O
que me impressionou foi que: ela sentiu pena de mim antes mesmo de ter me
visto. Sua
posição
padrão para comigo, como uma africana, era um tipo de arrogância bem
intencionada,
piedade.
Minha colega de quarto tinha uma única história sobre a África. Uma única
história de
catástrofe.
Nessa única história não havia possibilidade de os africanos serem iguais a
ela, de
jeito
nenhum. Nenhuma possibilidade de sentimentos mais complexos do que piedade.
Nenhuma
possibilidade de uma conexão como humanos iguais.
Eu
devo dizer que antes de ir para os Estados Unidos, eu não me identificava,
conscientemente,
como uma africana. Mas nos EUA, sempre que o tema África surgia, as
pessoas
recorriam a mim. Não importava que eu não soubesse nada sobre lugares como a
Namíbia.
Mas eu acabei por abraçar essa nova identidade. E, de muitas maneiras, agora eu
penso
em mim mesma como uma africana. Entretanto, ainda fico um pouco irritada quando
se
referem
à África como um país. O exemplo mais recente foi meu maravilhoso voo de Lagos,
dois
dias atrás, não fosse um anúncio de um voo da Virgin sobre o trabalho de
caridade na
"Índia,
África e outros países". (Risos da plateia)
Então,
após ter passado vários anos nos EUA como uma africana, eu comecei a entender a
reação
de minha colega para comigo. Se eu não tivesse crescido na Nigéria e se tudo
que eu
conhecesse
sobre a África viesse das imagens populares, eu também pensaria que a África
fosse
um lugar de lindas paisagens, lindos animais e pessoas incompreensíveis,
lutando guerras
sem
sentido, morrendo de pobreza e AIDS, incapazes de falar por elas mesmas e
esperando
serem
salvos por um estrangeiro branco e gentil. Eu veria os africanos do mesmo jeito
que eu,
quando
criança, havia visto a família de Fide.
Eu
acho que essa única história da África vem da literatura ocidental. Então, aqui
temos uma
citação
de um mercador londrino chamado John Locke, que navegou até o oeste da África
em
1561
e manteve um fascinante relato de sua viagem. Após referir-se aos negros
africanos
como
"bestas que não tem casas", ele escreve: "Eles também são
pessoas sem cabeças, que
“têm
sua boca e olhos em seus seios.” Eu rio toda vez que leio isso, e deve-se
admirar a
imaginação
de John Locke. Mas o que é importante sobre sua escrita é que ela representa o
início
de uma tradição de contar histórias africanas no Ocidente. Uma tradição da
África
subsaariana
como um lugar negativo, de diferenças, de escuridão, de pessoas que, nas
palavras
do maravilhoso poeta, Rudyard Kipling, são "metade demônio, metade
criança".
E
então eu comecei a perceber que minha colega de quarto americana deve ter, por
toda sua
vida,
visto e ouvido diferentes versões de uma única história. Como um professor, que
uma vez
me
disse que meu romance não era "autenticamente africano". Bem, eu
estava
completamente
disposta a afirmar que havia uma série de coisas erradas com o romance, que
ele
havia falhado em vários lugares. Mas eu nunca teria imaginado que ele havia
falhado em
alcançar
alguma coisa chamada autenticidade africana. Na verdade, eu não sabia o que era
"autenticidade
africana". O professor me disse que minhas personagens pareciam-se muito
com
ele, um homem educado de classe média. Minhas personagens dirigiam carros, elas
não
estavam
famintas. Por isso elas não eram autenticamente africanas.
Mas
eu devo rapidamente acrescentar que eu também sou culpada na questão da única
história.
Alguns anos atrás, eu visitei o México saindo dos EUA. O clima político nos EUA
àquela
época
era tenso. E havia debates sobre imigração. E, como frequentemente acontece na
América,
imigração tornou-se sinônimo de mexicanos. Havia histórias infindáveis de
mexicanos
como
pessoas que estavam espoliando o sistema de saúde, passando às escondidas pela
fronteira,
sendo presos na fronteira, esse tipo de coisa. Eu me lembro de andar no meu
primeiro
dia por Guadalajara, vendo as pessoas indo trabalhar, enrolando tortilhas no
supermercado,
fumando, rindo. Eu me lembro que meu primeiro sentimento foi surpresa. E
então
eu fiquei oprimida pela vergonha. Eu percebi que eu havia estado tão imersa na
cobertura
da mídia sobre os mexicanos que eles haviam se tornado uma coisa em minha
mente:
o imigrante abjeto. Eu tinha assimilado a única história sobre os mexicanos e
eu não
podia
estar mais envergonhada de mim mesma. Então, é assim que se cria uma única
história:
mostre
um povo como uma coisa, como somente uma coisa, repetidamente, e será o que ele
se
tornará.
É
impossível falar sobre única história sem falar sobre poder. Há uma palavra,
uma palavra da
tribo
Igbo, que eu lembro sempre que penso sobre as estruturas de poder do mundo, e a
palavra
é "nkali".
É
um substantivo que livremente se traduz: "ser maior do que o outro".
Como nossos mundos
econômico
e político, histórias também são definidas pelo princípio do "nkali".
Como é
contadas,
quem as conta, quando e quantas histórias são contadas, tudo realmente depende
do
poder. Poder é a habilidade de não só contar a história de outra pessoa, mas de
fazê-la a
história
definitiva daquela pessoa. O poeta palestino Mourid Barghouti escreve que se
você
quer
destituir uma pessoa, o jeito mais simples é contar sua história, e começar com
"em
segundo
lugar". Comece uma história com as flechas dos nativos americanos, e não
com a
chegada
dos britânicos, e você tem uma história totalmente diferente. Comece a história
com
o
fracasso do estado africano e não com a criação colonial do estado africano e
você tem uma
história
totalmente diferente.
Recentemente,
eu palestrei numa universidade onde um estudante me disse que era uma
vergonha
que homens nigerianos fossem agressores físicos como a personagem do pai no meu
romance.
Eu disse a ele que eu havia terminado de ler um romance chamado "Psicopata
Americano"
- (Risos da plateia) e que era uma grande pena que jovens americanos fossem
assassinos
em série. (Risos da plateia e aplausos) É óbvio que eu disse isso num leve
ataque de
irritação.
(Risos da plateia)
Nunca
havia me ocorrido pensar que só porque eu havia lido um romance no qual uma
personagem
era um assassino em série, que isso era, de alguma forma, representativo de
todos
os americanos. E agora, isso não é porque eu sou uma pessoa melhor do que
aquele
estudante,
mas, devido ao poder cultural e econômico da América, eu tinha muitas histórias
sobre
a América. Eu havia lido Tyler, Updike, Steinbeck e Gaitskill. Eu não tinha uma
única
história
sobre a América.
Quando
eu soube, alguns anos atrás, que escritores deveriam ter tido infâncias
realmente
infelizes
para ter sucesso, eu comecei a pensar sobre como eu poderia inventar coisas
horríveis
que
meus pais teriam feito comigo. (Risos da plateia) Mas a verdade é que eu tive
uma infância
muito
feliz, cheia de risos e amor, em uma família muito unida.
Mas
também tive avós que morreram em campos de refugiados. Meu primo Polle morreu
porque
não teve assistência médica adequada. Um dos meus amigos mais próximos,
Okoloma,
morreu
num acidente aéreo porque nossos caminhões de bombeiros não tinham água. Eu
cresci
sob governos militares repressivos que desvalorizavam a educação, então, por
vezes,
meus
pais não recebiam seus salários. E então, ainda criança, eu vi a geleia
desaparecer do
café-da-manhã,
depois a margarina desapareceu, depois o pão tornou- se muito caro, depois o
leite
ficou racionado. E acima de tudo, um tipo de medo político normalizado invadiu
nossas
vidas.
Todas
essas histórias fazem de mim quem eu sou. Mas insistir somente nessas histórias
negativas
é superficializar minha experiência e negligenciar as muitas outras histórias
que me
formaram.
A “única história cria estereótipos”. E o problema com estereótipos não é que
eles
sejam
mentira, mas que eles sejam incompletos. Eles fazem um história tornar-se a
única
história.
Claro,
África é um continente repleto de catástrofes. Há as enormes, como as terríveis
violações
no Congo. E há as depressivas, como o fato de 5.000 pessoas candidatarem-se a
uma
vaga
de emprego na Nigéria. Mas há outras histórias que não são sobre catástrofes. E
é muito
importante,
é igualmente importante, falar sobre elas. Eu sempre achei que era impossível
relacionar-me
adequadamente com um lugar ou uma pessoa sem relacionar-me com todas as
histórias
daquele lugar ou pessoa. A consequência de uma única história é essa: ela rouba
das
pessoas
sua dignidade. Faz o reconhecimento de nossa humanidade compartilhada difícil.
Enfatiza
como nós somos diferentes ao invés de como somos semelhantes. E se antes de
minha
viagem ao México eu tivesse acompanhado os debates sobre imigração de ambos os
lados,
dos Estados Unidos e do México? E se minha mãe nos tivesse contado que a
família de
Fide
era pobre E trabalhadora? E se nós tivéssemos uma rede televisiva africana que
transmitisse
diversas histórias africanas para todo o mundo? O que o escritor nigeriano Chinua
Achebe
chama "um equilíbrio de histórias."
E
se minha colega de quarto soubesse do meu editor nigeriano, Mukta Bakaray, um
homem
notável
que deixou seu trabalho em um banco para seguir seu sonho e começar uma
editora?
Bem,
a sabedoria popular era que nigerianos não gostam de literatura. Ele
discordava. Ele
sentiu
que pessoas que podiam ler, leriam se a literatura se tornasse acessível e
disponível
para
elas.
Logo
após ele publicar meu primeiro romance, eu fui a uma estação de TV em Lagos
para uma
entrevista.
E uma mulher que trabalhava lá como mensageira veio a mim e disse: "Eu
realmente
gostei do seu romance, mas não gostei do final. Agora você tem que escrever uma
sequência,
e isso é o que vai acontecer..." (Risos da plateia) E continuou a me dizer
o que
escrever
na sequência. Agora eu não estava apenas encantada, eu estava comovida. Ali
estava
uma
mulher, parte das massas comuns de nigerianos, que não se supunham ser
leitores. Ela
não
só tinha lido o livro, mas ela havia se apossado dele e se sentia no direito de
me dizer o
que
escrever na sequência.
Agora,
e se minha colega de quarto soubesse de minha amiga Fumi Onda, uma mulher
destemida
que apresenta um show de TV em Lagos, e que está determinada a contar as
histórias
que nós preferimos esquecer? E se minha colega de quarto soubesse sobre a
cirurgia
cardíaca
que foi realizada no hospital de Lagos na semana passada? E se minha colega de
quarto
soubesse sobre a música nigeriana contemporânea? Pessoas talentosas cantando em
inglês
e Pidgin, e Igbo e Yoruba e Ijo, misturando influências de Jay-Z a Fela, de Bob
Marley a
seus
avós. E se minha colega de quarto soubesse sobre a advogada que recentemente
foi ao
tribunal
na Nigéria para desafiar uma lei ridícula que exigia que as mulheres tivessem o
consentimento
de seus maridos antes de renovarem seus passaportes? E se minha colega de
quarto
soubesse sobre Nollywood, cheia de pessoas inovadoras fazendo filmes apesar de
grandes
questões técnicas? Filmes tão populares que são realmente os melhores exemplos
de
que
nigerianos consomem o que produzem. E se minha colega de quarto soubesse da
minha
maravilhosamente
ambiciosa trançadora de cabelos, que acabou de começar seu próprio
negócio
de vendas de extensões de cabelos? Ou sobre os milhões de outros nigerianos que
começam
negócios e às vezes fracassam, mas continuam a fomentar ambição?
Toda
vez que estou em casa, sou confrontada com as fontes comuns de irritação da
maioria
dos
nigerianos: nossa infraestrutura fracassada, nosso governo falho. Mas também
pela
incrível
resistência do povo que prospera apesar do governo, ao invés de devido a ele.
Eu
ensino
em workshops de escrita em Lagos todo verão. E é extraordinário pra mim ver
quantas
pessoas
se inscrevem, quantas pessoas estão ansiosas por escrever, por contar histórias.
Meu
editor
nigeriano e eu começamos uma ONG chamada Farafina Trust. E nós temos grandes
sonhos
de construir bibliotecas e recuperar bibliotecas que já existem e fornecer
livros para
escolas
estaduais que não têm nada em suas bibliotecas, e também organizar muitos e
muitos
workshops,
de leitura e escrita para todas as pessoas que estão ansiosas para contar
nossas
muitas
histórias. Histórias importam. Muitas histórias importam. Histórias têm sido
usadas
para
expropriar e tornar maligno. Mas histórias podem também ser usadas para
capacitar e
humanizar.
Histórias podem destruir a dignidade de um povo, mas histórias também podem
reparar
essa dignidade perdida. A escritora americana Alice Walker escreveu isso sobre
seus
parentes
do sul que haviam se mudado para o norte. Ela os apresentou a um livro sobre a
vida
sulista
que eles tinham deixado para trás. "Eles sentaram-se em volta, lendo o
livro por si
próprios,
ouvindo-me ler o livro e um tipo de paraíso foi reconquistado." Eu
gostaria de
finalizar
com esse pensamento: Quando nós rejeitamos uma única história, quando
percebemos
que nunca há apenas uma história sobre nenhum lugar, nós reconquistamos um
tipo de paraíso. Obrigada.
(Aplausos).
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ANTROPOLOGIA, CULTURA e EDUCAÇÃO
O perfil da mulher “
Amélia” e as lutas pela igualdade de gênero
Ednéia Patrícia Dias
O modelo de mulher ideal, que na
letra do samba de Ataulfo Alves e Mário Lago ( 1942) e nos anos posteriores
tratava-se de uma imagem idealizada pelo contexto de uma tradição herdada dos
nossos colonizadores que atribuíam ao papel desenvolvido pela mulher, como
sendo da pessoa responsável pela educação dos filhos, por todo o cuidado com a
casa, ou seja, limpeza, organização, lavar e passar roupas, preparar as
refeições e deixar tudo em ordem para esperar o esposo. Essa mulher não
reclamava seus direitos, nem tão pouco questionava as decisões tomadas pelos
maridos, que eram considerados chefes da família. Sendo a mulher uma figura
considerada frágil demais e incapaz de
assumir a direção e chefia do grupo familiar,
o homem, estava cada vez mais
associado à ideia de autoridade devido a seu poder de mando e força
física e assim, assumindo o poder dentro da sociedade.
O surgimento das sociedades
patriarcais, fundadas no poder do homem como o chefe de família, fez com que a
mulher fosse ficando cada vez mais em um patamar de desigualdade. Nas famílias
assim constituídas, o marido detentor de todo o poder, por ser que provinha
financeiramente a família, o seu papel estava em realizar tarefas fora da casa,
ou seja, ter um trabalho, com rendimentos suficientes para a manutenção de
todas as despesas do lar, não precisando a esposa, trabalhar fora. Assim o
marido mantinha seu status, perante os demais homens da sociedade.
Para o homem a ideia que o ligava a
paternidade, era associada a da posse dos bens, e a garantia da herança para as
gerações futuras, passando a interpretar a sexualidade da mulher como um
instrumento de submissão aos interesses do homem, tanto no repasse dos bens
materiais, através da herança, como na reprodução da sua linhagem. O Homem
passou a ser o dono da mulher, como forma dele perpetuar-se através da
descendência. As funções básicas atribuídas às mulheres acabaram restritas ao
mundo doméstico. “Quando na letra da música, “Ai que saudades da Amélia”, os
autores utilizam um pronome indefinido “ Aquilo, sim é que era mulher”, o
discurso ganha força por ser tratar a mulher como um objeto e já mostrando
nesta época uma indignação do homem em relação de uma mulher que já estava em
transformação e aquela ideia estaria incomodando o homem.
As mulheres iniciaram sua
trajetória de discussões e pensamentos a cerca das questões de gênero e do
feminismo, mas claramente e sistematizado a partir do ano de 1949, com a
publicação do “ Le deuxieme sexe” ( O segundo sexo), de Simone de Beauvoir que foi o marco da luta política das mulheres
contra a dominação masculina, e deu visibilidade as discussões que já haviam
sendo realizadas desde 1930.
A mulher então sempre posicionada
em segundo plano em relação ao homem passa a requerer seu status de igualdade,
pois indiferente das questões relevantes a esses temas, continuava tendo seu
trabalho desqualificado, com remunerações inferiores, e ainda em menor número
nas posições de chefias e cargos políticos. Essa desigualdade fez com que as
lutas ganhassem mais força para continuar em busca do objetivo e sendo pauta
constante nas pesquisas do desenvolvimento históricos e sociais.
Ao analisarmos as mudanças de
comportamento que alteraram as relações entre homens e mulheres, observamos uma
vontade de ocupar espaços até então masculinos, as mulheres dedicaram-se aos
estudos e ao aperfeiçoamento profissional.
A então dona de casa começa a
traçar um novo destino e ganhar novos rumos, iniciando um processo de aceitação
e de afirmação dos seus desejos e se posiciona como um sujeito de sua
identidade, cobrando seus direitos em relação aos homens, tendo como vontade
própria se arrumar, e questionando as ideias paternalistas que sempre orientava
aos afazeres do lar, bem como sua permanência dentro de casa.
Esse modelo de sociedade patriarcal
permaneceu ao longo dos tempos, mesmo na sociedade industrial, no entanto nesse
modelo das sociedades industriais, as questões trabalhistas são divididas entre
o trabalho fora de casa e o mundo doméstico.
A incorporação do trabalho das
mulheres nas fábricas abriu um leque de possibilidades de transformação do
pensamento patriarcal, no entanto as desigualdades ainda eram bem visíveis,
pois nas remunerações do trabalho, a mulher sempre tinha ordenados inferiores
aos dos homens.
Inicia-se uma disputa pelo mercado
de trabalho, pois os homens com o pensamento de chefe de família acusavam as
mulheres, agora mais requisitadas nas fábricas, por representarem menos
despesas aos patrões, de tomarem seus lugares nos postos de trabalho.
As questões de gênero, de uma forma
ou de outra se acercava das lutas contra o sistema capitalista de produção,
levantando indagações na consciência da classe trabalhadora.
Em contra partida as mulheres
alavancaram as lutas por melhores condições de trabalho, igualdade na jornada
de trabalho para homens e mulheres e outros direitos fundamentais, como por
exemplo, direito a voto nas eleições.
As manifestações estavam ligadas as
mulheres, como um meio para as transformações que incomodariam os homens, já
acostumados por seu status de poder de mandar e ser obedecido.
Ganhando voz e autonomia a mulher
ia aos poucos perdendo o medo de colocar-se socialmente e revertendo a ideia de
inferioridade, rompendo com a submissão.
Com a utilização do nome “ Amélia”,
na letra do samba de Ataulfo Alves e Mário Lago ( 1942), o nome deixa de ser um
substantivo próprio, ganhando uma ideia de sujeito comum, onde os pensamentos
machistas são os que aparecem nas relações comportamentais, fez com que o termo
ganhasse a força que tem hoje. A mulher da contemporaneidade, além dos cuidados
coma casa, com os filhos, a família, divide seu tempo entre se cuidar, fazer
uma atividade de lazer, trabalhar fora, estudar e acima de tudo entender-se
como mulher e não mais ser vista e descrita por um olhar masculino e sim,
criado e recriado por ela mesma, expondo suas vontades e opiniões, fazendo
valer os seus direitos e levantando bandeiras até então esquecidas, na
contemporaneidade, a mulher está alcançando direitos legais que não resolvem os
problemas na totalidade, mas minimizam impactos negativos sofridos ao longo da
história. Avanços como a Lei Maria da Penha que estabelece punições a agressões
contra as mulheres e dá amparo legal as vítimas de agressão, é um dos exemplos
desse avanço no pensamento e na transformação de toda uma sociedade.
Muito ainda há o que se fazer para
que anos de desigualdade sejam reparados, pois ainda hoje, quando se é
necessário a criação de leis que punam empresas que remunerem diferentemente
mulheres e homens que exerçam a mesma função, é porque situações que
diferenciam homens como superiores e mulheres como inferiores ainda
acontecem em nosso país.
Educação
Especial – Integração e Inclusão
Ednéia
Patrícia Dias
Para
destacarmos as principais diferenças entre integração e inclusão, primeiramente
é preciso dizer que ambas refletem uma evolução no pensamento em relação à
educação especial e até mesmo um processo de uma educação para e na
diversidade.
Podemos entender as questões
ligadas a integração de algumas maneiras mais marcantes. O próprio conceito de
integração pode ser encontrado como um grupo de alunos que frequentam escolas
especiais para pessoas com algum tipo de deficiência, também classes especiais
de residências especiais para o convívio de deficientes.
Por ainda se tratar de um processo
recente em nosso país, sendo observados fatos mais sistematizados a partir da
década de 60, a ideia de integração vem como uma resposta a um anseio de
transformação da escola, mas também de toda a sociedade e de um novo modo de
compreensão da própria educação, que até então se apropriava dos antigos
conceitos e práticas da segregação, ou seja, alunos com capacidade para o
desenvolvimento integral eram assistidos pelo sistema educativo, enquanto os
demais, com alguma deficiência eram não aptos para receber essa educação.
Tendo como mola mestra da
integração a normalização que se refere ao acesso de pessoas socialmente
desvalorizadas não apenas no contexto escolar, mas em todas as atividades
sociais, promove uma análise de ver as relações entre as pessoas, excluindo
todos os rótulos e preconceitos.
Integrar o aluno ou a pessoa é
possibilitar que a mesma tenha acesso à educação, que pode vir a ser uma
matrícula em classes regulares ou também em escolas ou instituições de ensino
especial.
Exemplificado por um sistema
educacional conhecido como Cascata, a integração previa uma série de possibilidades aos alunos
de transitarem entre vários níveis do ensino, podendo ir da classe regular ao
ensino especial, no entanto todos os serviços ofertados nesse método eram
separados, dificultando ao aluno nivelado no ensino especial, alcançar avanços
para uma classe regular.
Levantando questionamentos acerca
do conceito de integração, bem como todas as políticas educacionais, surgem
como uma nova opção de inserção que é a inclusão, que tem um novo olhar sobre a
organização da educação seja ela regular ou especial.
A ideia de inclusão não é
compatível a integração, pois indica que todos os alunos, sem exceções, devam
frequentar as salas de aula do ensino regular, instituindo uma inserção escolar
completa e sistemática.
Destacamos as questões antagônicas
que se remetem a integração e a inclusão, como sendo uma das mais marcantes o
fato de que a integração, objetiva inserir o aluno em um grupo já excluído dos
demais e rotulado como os com menos capacidade de desenvolvimento, enquanto a
inclusão ao contrário, não deixa nenhum aluno em condição de inferioridade em
nenhum aspecto, desde a sua entrada na escola, observando as necessidades de
todos os alunos e estruturando-se para saná-las.
Para essa mudança inclusiva, todos
da escola devem receber apoio, e não somente o aluno com dificuldade, mas
professores, administração, e todos que atuam nesse processo.
Enquanto na integração o modelo é a
Cascata, na inclusão é o caleidoscópio, pois exemplifica a necessidade de todos
os pedaços para que o todo seja mais elaborado, ou seja, em um ambiente mais
variado e rico, as crianças podem se desenvolver melhor.
Na integração escolar, a inserção é
condicional e vai depender do aluno, da sua adaptação para o seu
desenvolvimento, a possível ascensão para uma classe regular ou para outro
nível superior ao que se encontra, enquanto na inclusão essa inserção se dá de
forma incondicional, não deixando de incluir nenhum tipo de aluno, enquanto que
é o sistema educativo que terá que desenvolver-se, e adaptar-se aos alunos.
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